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Se Houver Amanhã - Capítulo 4

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Mensagem por Humberto Lopes Qua Out 03, 2012 8:55 am


4

A notícia dos crimes e da condenação de Tracy Whitney apareceu na
primeira página do New Orleans Courier, acompanhada por uma fotografia
sua, tirada pela polícia. Os principais serviços noticiosos transmitiram a
história para jornais de todo o país. Quando foi retirada do tribunal, a fim
de aguardar a transferência para a penitenciária estadual, Tracy foi
confrontada por uma turma de repórteres de televisão. Escondeu o rosto
em humilhação, mas não havia como escapar das câmaras. Joe Romano
era uma notícia importante, e um atentado contra a sua vida por uma
linda assaltante era notícia ainda mais sensacional. Tracy tinha a sensação
de que se encontrava cercada por inimigos. Charles me tirará daqui, ela
insistia em dizer a si mesma. Oh, por favor, Deus, permita que Charles me
tire daqui. Nosso filho não pode nascer na prisão.
Foi somente na tarde seguinte que o sargento de plantão permitiu
que Tracy usasse o telefone. Harriet atendeu:
─ Escritório do Sr. Stanhope.
─ Harriet, aqui é Tracy Whitney. Eu gostaria de falar com o Sr.
Stanhope.
─ Um momento, por favor, Senhorita Whitney. ─ Ela percebeu a
hesitação na voz da secretária. Eu... vou verificar se o Sr. Stanhope está.
Depois de uma espera prolongada e angustiante, Tracy ouvia
finalmente a voz de Charles. Quase chorou de alívio.
─ Charles...
─ Tracy? É você, Tracy?
─ Sou eu mesma, querido. Oh, Charles, eu tentei falar com você...
─ Eu estava enlouquecendo, Tracy. Os jornais daqui estão repletos
de histórias terríveis a seu respeito. Não posso acreditar no que eles dizem.
─ Nada é verdade, querido. Absolutamente nada. Eu...
─ Onde você está agora?
─ Estou... estou numa cadeia em Nova Orleans. Eles vão me mandar
para a prisão por algo que não fiz, Charles.
Para horror de Charles, Tracy começou a chorar.
─ Fique calma. E preste atenção. Os jornais dizem que você atirou
num homem. Isso não é verdade, não é mesmo?
─ Atirei nele, mas...
─ Então é verdade!
─ Não é como parece, querido. A história foi totalmente diferente.
Posso explicar tudo. Eu...
─ Tracy, você se declarou culpada de tentativa de homicídio e de
roubar um quadro?
─ É verdade, Charles. Mas só fiz isso porque...
─ Se precisava de dinheiro tão desesperadamente deveria ter falado
comigo... E tentar matar alguém... Não posso acreditar nisso. Nem meus
pais. Você é a manchete do Daily News de Filadélfia desta manhã. É a
primeira vez em que um sopro de escândalo atinge a família Stanhope.
Foi o amargo autocontrole na voz de Charles que fez Tracy
compreender os sentimentos profundos dele. Ela contara
desesperadamente com Charles e agora descobria que seu noivo estava do
lado deles. Fez um esforço para não gritar.
─ Preciso de você, querido. Por favor, venha até aqui. Pode endireitar
tudo.
Houve um silêncio prolongado.
─ Parece que não há muita coisa para endireitar. Não se você
confessou ter feito todas essas coisas. A família não pode se envolver em
algo assim. E tenho certeza de que pode compreender isso. Foi um choque
terrível para nós. Obviamente, eu nunca a conheci de verdade.
Cada palavra era um tremendo golpe. O mundo desmoronava sobre
Tracy. Ela sentia-se mais sozinha do que em qualquer outra ocasião
anterior de sua vida. Não havia agora ninguém a quem pudesse recorrer,
absolutamente ninguém.
─ E... e o bebé?
─ Terá de fazer o que julgar melhor com seu filho ─ disse Charles. ─
Lamento muito, Tracy.
E a ligação foi cortada. Tracy ficou imóvel, segurando o telefone
mudo. Outro preso, por trás dela, disse:
─ Se já acabou com o telefone, meu bem, eu gostaria de chamar meu
advogado.
Quando Tracy voltou à cela, a guarda tinha instruções a lhe
transmitir:
─ Esteja pronta para partir amanhã de manhã. Virão buscá-la Às seis
horas.
Ela recebeu um visitante. Otto Schmidt parecia ter envelhecido
muitos anos durante as poucas horas transcorridas desde que Tracy o vira
pela última vez. Ele dava a impressão de estar doente.
─ Só vim lhe dizer o quanto minha mulher e eu lamentamos tudo
isso. Sabemos que não foi culpa sua o que aconteceu.
Se ao menos Charles tivesse dito isso...
─ Minha mulher e eu estaremos no enterro da Sra. Doris amanhã,
─ Obrigada, Otto.
Eles enterrarão nós duas amanhã, pensou Tracy.
Ela passou a noite acordada, deitada em seu estreito catre na prisão,
olhando fixamente para o teto. Reconstituiu mentalmente, por muitas
vezes, a conversa com Charles. Ele nunca lhe dera a oportunidade de
explicar.
Ela tinha de pensar no filho. Lera sobre mulheres que tinham filhos
na prisão, mas as histórias eram tão distantes de sua própria vida que era
como se estivesse tomando conhecimento de relatos sobre pessoas de outro
planeta. Agora, porém, estava acontecendo com ela. Terá de fazer o que
julgar melhor para seu filho, dissera Charles. Ela queria ter o filho. Mas eles
não me deixarão mantê-lo, pensou Tracy. Vão tirá-lo de mim porque passarei
os próximos 15 anos na prisão. É melhor que ele nunca saiba quem é a mãe.
E Tracy chorou.
Às seis horas da manhã, um guarda entrou na cela de Tracy,
acompanhado pela matrona que, cuidava da prisão.
─ Tracy Whitney?
─ Sou eu.
Ela ficou surpresa ao perceber como sua voz soava estranha.
─ Por ordem do Tribunal de Justiça Criminal do Estado da Louisiana,
Condado de Orleans, você será transferida imediatamente para a
Penitenciária Meridional da Louisiana Para Mulheres. Vamos embora,
garota.
Ela foi conduzida por um corredor comprido, passando por celas
cheias de reclusos. Houve uma porção de assobios.
─ Tenha uma boa viagem, querida...
─ Diga-me onde aquele quadro está escondido, Tracy querida, e
repartirei o dinheiro com você...
─ Se está indo para a casa grande, procure a Ernestine Littlechap.
Ela cuidará direitinho de você...
Tracy passou pelo telefone do qual ligara para Charles. Adeus,
Charles.
Ela estava do lado de fora, num pátio. Um ônibus da prisão, amarelo,
as janelas gradeadas, esperava ali, o motor ligado. Meia dúzia de mulheres
já se encontravam sentadas no ônibus, vigiadas por dois guardas armados.
Tracy olhou para os rostos de suas companheiras de viagem. Uma delas
mantinha uma atitude de desafio, outra se mostrava entediada, as demais
exibiam expressões de desespero. As vidas que levaram até então estavam
prestes a terminar. Eram párias, sendo conduzidos a jaulas em que seriam
trancafiadas como animais. Tracy se perguntou que crimes teriam
cometido e se alguma era tão inocente quanto ela... e também se perguntou
o que as outras viam em seu rosto.
A viagem no ônibus da prisão foi interminável, o ônibus quente e
malcheiroso. Mas Tracy nem percebeu. Retraíra-se para dentro de si
mesma, não estava mais consciente dos campos verdes viçosos pelos quais
o ônibus passava. Encontrava-se em outro tempo, em outro lugar.
Era uma garotinha na praia, com a mãe e o pai. O pai levava-a para o
mar nos ombros e disse quando ela gritou: Não seja como um bebé, Tracy.
E ele largou-a na água fria. Quando a água se fechou por cima de sua
cabeça, ela entrou em pânico e começou a sufocar. O pai levantou-a e
depois tornou a mergulhá-la. Desse momento em diante ela tivera pavor da
água...
O auditório universitário se apresentava lotado de estudantes, seus
pais e parentes. Ela era a oradora da turma. Falou por 15 minutos e seu
discurso estava impregnado de um idealismo elevado, com referências
engenhosas ao passado e sonhos fulgurantes para o futuro. O reitor a
presenteara com uma chave de Phi Beta Kappa. Quero que você fique com
isto, Tracy dissera à mãe. E o orgulho no rosto da mãe fora maravilhoso...
Vou para Filadélfia, mamãe. Tenho um emprego num banco lá.
Annie Mahler, sua melhor amiga, estava telefonando. Você vai adorar
Filadélfia, Tracy. Tem todas as coisas culturais. Além disso, é também uma
linda cidade e tem escassez de mulheres. Ou seja, os homens daqui são
realmente famintos! E posso lhe arrumar um emprego no banco em que
trabalho...
Charles estava lhe fazendo amor. Ela observou as sombras em
movimento no teto e pensou: Quantas mulheres gostariam de estar no meu
lugar? Charles era um grande prêmio. E no mesmo instante ela sentiu-se
envergonhada do pensamento. Amava Charles. Podia senti─ lo dentro de si,
arremetendo com mais força, cada vez mais depressa, prestes a explodir. E
ele balbuciou: Você está pronta? E ela mentiu, dizendo que sim. Foi
maravilhoso para você? Foi, sim, Charles. E ela pensou: Isso é tudo o que
existe? E novamente o sentimento de culpa...
─ Você! estou falando com você. Por acaso é surda? Vamos logo.
Tracy levantou os olhos e se descobriu no ônibus amarelo da prisão.
Parara num pátio cercado por uma pilha sombria de alvenaria. Uma
sucessão de nove cercas, encimadas com arame farpado, cercava os 500
acres de pastagens e bosques que constituiam a Penitenciária Meridional
da Louisiana Para Mulheres.
─ Saia ─ ordenou o guarda. ─ Estamos aqui.
Aqui era o inferno.
Humberto Lopes
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