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As Crônicas de gelo e fogo - Livro um- A guerra dos tronos - Daenerys (4)

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As Crônicas de gelo e fogo - Livro um- A guerra dos tronos - Daenerys (4) Empty As Crônicas de gelo e fogo - Livro um- A guerra dos tronos - Daenerys (4)

Mensagem por Humberto Lopes Qua Out 03, 2012 8:59 am

Daenerys

O irmão ergueu o vestido para que ela o inspecionasse.
- Isto é uma beleza! Toque-o. Vamos. Acaricie o tecido,
Dany o tocou. O tecido era tão macio que parecia correr-lhe
pelos dedos como água. Não conseguia se lembrar de alguma
vez ter usado algo tão suave. Assustou-se. Afastou a mão.
- É mesmo meu?
- Um presente de Magíster Illyrio - disse Viserys, sorrindo.
Seu irmão estava de bom humor naquela noite. - A cor
realçará o violeta dos seus olhos. E você também terá ouro e
jóias de todos os tipos. Illyrio prometeu, Esta noite deve se
parecer uma princesa.
Uma princesa, pensou Dany. Já se esquecera de como aquilo
era. Talvez nunca tivesse realmente sabido.
- Por que ele nos dá tanto? - ela perguntou. - O que quer de
nós? - há quase meio ano que viviam na casa do magíster,
comiam da sua comida, eram paparicados pelos seus criados.
Dany tinha treze anos, idade suficiente para saber que tais
presentes raramente vêm sem preço ali, na cidade livre de
Pentos.
- Illyrio não é nenhum tolo - Viserys respondeu. Era um
jovem magro com mãos nervosas e um ar febril nos olhos de
um tom claro de lilás. - O magíster sabe que não esquecerei os
amigos quando subir ao trono.
Dany não disse nada. Magíster Illyrio era um comerciante de
especiarias, pedras preciosas, ossos de dragão e outras coisas
menos palatáveis. Tinha amigos em todas as Nove Cidades
Livres, dizia-se, e mesmo para lá delas, em Vaes Dothrak e
nas terras das fábulas junto ao Mar de Jade. Também se dizia
que nunca tinha tido um amigo que não fosse capaz de vender
alegremente pelo preço justo. Dany escutava o falatório nas
ruas e ouvia essas coisas, mas também sabia que era melhor
não questionar o irmão enquanto tecia suas teias de sonho.
Quando era despertada, a ira de Viserys era algo terrível. Ele
a chamava "o acordar do dragão".
O irmão pendurou o vestido ao lado da porta.
- Illyrio enviará as escravas para lhe darem banho. Assegurese
de se livrar do fedor dos estábulos. Khal Drogo tem mil
cavalos e hoje vem à procura de um tipo diferente de
montaria - estudou-a criticamente. - Ainda tem as costas
tortas. Endireite-se - pôs-lhe as mãos nos ombros e puxou-os
para trás. - Deixe-os ver que tem agora a forma de uma
mulher - os dedos do irmão roçaram levemente seus seios em
botão e apertaram num mamilo. - Não me falhará esta noite.
Senão, será mau para você. Não quer acordar o dragão, quer?
- os dedos torceram-se, um beliscão cruel e duro através do
tecido grosseiro da túnica. - Quer? - ele repetiu.
- Não - respondeu Dany docilmente.
O irmão sorriu.
- Ótimo - tocou-lhe os cabelos, quase com afeição. - Quando
escreverem a história do meu reinado, minha doce irmã, dirão
que começou esta noite.
Quando ele saiu, Dany foi até a janela e olhou, melancólica,
as águas da baía. As torres quadradas de tijolo de Pentos
eram silhuetas negras delineadas contra o sol poente. Ela
conseguia ouvir os sacerdotes vermelhos cantando, enquanto
acendiam as piras noturnas, e os gritos de crianças
esfarrapadas que jogavam para lá dos muros da propriedade.
Por um momento desejou poder estar lá fora com elas, de pés
nus, sem fôlego e vestida de farrapos, sem passado nem futuro,
sem banquete para ir na mansão de Khal Drogo.
Em algum lugar para lá do pôr do sol, do outro lado do
estreito mar, havia uma terra de colinas verdes e planícies
cobertas de flores e grandes rios caudalosos, onde torres de
pedra negra se erguiam por entre magníficas montanhas azulacinzentadas
e cavaleiros de armadura cavalgavam para a
batalha sob os estandartes dos seus senhores. Os dothrakis
chamavam a essa terra Rhaesb Andahli, a terra dos ândalos.
Nas Cidades Livres, falavam de Westeros e dos Reinos do
Poente. O irmão tinha um nome mais simples. Chamava-lhe
"nossa terra". Para ele, as palavras eram como uma prece, Se
as dissesse o número de vezes suficientes, os deuses
certamente ouviriam. "É nosso direito de sangue, usurpado
por meios traiçoeiros. Não se rouba um dragão, ah, não. O
dragão se lembra."
E o dragão talvez recordasse mesmo, mas Dany não. Nunca
vira aquela terra que o irmão dizia que lhes pertencia, este
domínio para lá do estreito mar. Aqueles lugares de que
falava, Rochedo Casterly e o Ninho da Águia, Jardim de
Cima e o Vale de Arryn, Dorne e a Ilha das Caras, para ela
eram apenas palavras. Viserys era um rapaz de oito anos
quando fugiram de Porto Real para escapar ao avanço dos
exércitos do Usurpador, mas Daenerys não passava de uma
partícula de vida no ventre da mãe.
Mesmo assim, por vezes, Dany conseguia visualizar os
acontecimentos, tantas tinham sido as ocasiões em que ouvira
o irmão contar as histórias. A fuga no meio da noite para a
Pedra do Dragão, com o luar cintilando nas velas negras do
navio. Seu irmão, Rhaegar, combatendo o Usurpador nas
águas sangrentas do Tridente e morrendo pela mulher que
amava. O saque de Porto Real por aqueles a quem Viserys
chamava os cães do Usurpador, os senhores Lannister e
Stark. A princesa Elia de Dorne suplicando misericórdia
quando o herdeiro de Rhaegar lhe fora arrancado do seio e
assassinado perante seus olhos. Os crânios polidos dos últimos
dragões a olhar sem ver do alto das paredes da sala do trono
quando o Regicida abrira a garganta do Pai com uma espada
dourada.
Nascera em Pedra do Dragão quatro luas depois da fuga,
durante a fúria de uma tempestade de verão que ameaçava
destroçar a estabilidade da ilha. Diziam que aquela
tempestade tinha sido terrível. A frota Targaryen fora
esmagada enquanto estava ancorada e enormes blocos de
pedra foram arrancados dos parapeitos e precipitados sobre as
águas encapeladas do mar estreito. A mãe morrera ao dá-la à
luz, e por este fato o irmão Viserys nunca a perdoara.
Tampouco se lembrava de Pedra do Dragão. Tinham fugido
de novo, imediatamente antes de o irmão do Usurpador
zarpar com sua nova frota. Por essa altura, dos Sete Reinos
que tinham pertencido aos seus, apenas Pedra do Dragão
restava, a antiga sede de sua Casa. Mas não por muito tempo,
A guarnição estava preparada para vendê-los ao Usurpador,
mas, uma noite, Sor Willem Darry e quatro homens leais
invadiram o quarto das crianças, raptaram-nas e sua ama de
leite, e zarparam sob a escuridão da noite em busca da
segurança da costa bravosiana.
Lembrava-se vagamente de Sor Willem, um homem que mais
parecia um grande urso cinzento, meio cego, a rugir e berrar
ordens de sua cama de doente. Os criados tinham vivido
aterrorizados por causa dele, que sempre fora bondoso para
Dany. Chamava a "pequena princesa" e, por vezes, "minha
senhora", e suas mãos eram suaves como couro velho. Mas
nunca deixava a cama, e o cheiro da doença impregnava-o de
dia e de noite, com um odor quente, úmido, de uma doçura
doentia. Nessa altura viviam em Bravos, na casa grande de
porta vermelha, Dany tinha seu próprio quarto, com um
limoeiro junto à janela. Depois da morte de Sor Willem, os
criados roubaram o pouco dinheiro que lhes restava e em
breve os irmãos foram postos fora da casa grande, Dany
chorara quando a porta vermelha se fechara às suas costas
para sempre.
Desde então, tinham andado de um lado para outro, de
Bravos para Myr, de Myr para Tyrosh e daí para Qohor,
Volantis e Lys, sem nunca ficarem muito tempo no mesmo
lugar. O irmão não permitia. Insistia que os traidores
contratados pelo Usurpador viriam atrás deles, embora Dany
nunca tivesse visto nenhum.
A princípio, os magísteres, arcontes e príncipes mercadores
tinham se sentido felizes por dar as boas-vindas aos últimos
Targaryen às suas casas e mesas, mas, à medida que os anos
foram passando e o Usurpador continuou sentado no Trono
de Ferro, as portas foram se fechando e suas vidas tornaramse
mais pobres. Anos antes, tinham se visto forçados a vender
os últimos tesouros, e agora, até o dinheiro que tinham obtido
pela coroa da mãe desaparecera. Nas vielas e tabernas de
Pentos chamavam o irmão de "rei pedinte". Dany não queria
saber do que a chamavam.
"Um dia teremos tudo de volta, minha doce irmã", prometialhe
Viserys. Às vezes as mãos tremiam-lhe quando falava
daquilo. "As jóias e as sedas, Pedra do Dragão e Porto Real, o
Trono de Ferro e os Sete Reinos, tudo o que nos roubaram,
teremos tudo de volta." Ele vivia para esse dia. Tudo o que
Daenerys queria de volta era a grande casa de porta vermelha
com o limoeiro em frente à janela do seu quarto, a infância
que nunca conhecera.
Ouviu-se um suave toque na porta.
- Entre - disse Dany, virando as costas à janela. As criadas de
Illyrio entraram com reverências e começaram a tratar de
suas tarefas. Eram escravas, um presente de um dos muitos
amigos dothrakis do magíster. A escravatura não existia na
cidade livre de Pentos. E, no entanto, elas eram escravas. A
mulher mais velha, pequena e cinzenta como um rato, nunca
dizia uma palavra, mas a moça compensava. Era a favorita
de Illyrio, uma jovem de dezesseis anos, cabelos claros e olhos
azuis, que tagarelava sem cessar enquanto trabalhava.
Encheram a banheira com água quente trazida da cozinha e
perfumaram-na com óleos odoríferos. A moça puxou a túnica
de algodão grosseiro pela cabeça de Dany e a ajudou a entrar
na banheira. A água escaldava, mas Daenerys não hesitou
nem gritou. Gostava do calor. Fazia-a sentir-se limpa. Além
disso, o irmão dissera-lhe com frequência que nunca nada
estava quente demais para um Targaryen. "A nossa é a Casa
do dragão", dizia. "O fogo está em nosso sangue."
A mulher mais velha lavou seus longos cabelos
esbranquiçados e removeu suavemente os nós com uma
escova, sempre em silêncio. A moça esfregou-lhe as costas e os
pés e disse-lhe como tinha sorte.
- Drogo é tão rico que até seus escravos usam colares de ouro.
Seu khalasar tem cem mil cavaleiros, e seu palácio em Vaes
Dothrak, duzentos quartos e portas de prata sólida - e houve
mais do mesmo gênero, muito mais; como o khal era um
homem bonito, alto e feroz, destemido em batalha, o melhor
cavaleiro que alguma vez montara um cavalo, um arqueiro
demoníaco. Daenerys nada disse. Sempre assumira que se
casaria com Viserys quando chegasse à idade adulta.
Durante séculos, os Targaryen tinham se casado irmão com
irmã, desde que Aegon, o Conquistador, tomara as irmãs
como noivas, Viserys dissera-lhe mil vezes que a pureza da
linhagem devia ser mantida, que o sangue real era deles, o
sangue dourado da antiga Valíria, o sangue do dragão. Os
dragões não acasalavam com os animais dos campos, e os
Targaryen não misturavam seu sangue com o de homens
menores. E, no entanto, agora Viserys conspirava para
vendê-la a um estranho, a um bárbaro.
Quando ficou limpa, as escravas ajudaram-na a sair da água e
secaram-na com toalhas. A moça escovou-lhe os cabelos até
fazê-los brilhar como prata derretida, enquanto a mulher
mais velha a untava com o perfume de flores de especiarias
das planícies dothrakianas, um salpico em cada pulso, atrás
das orelhas, na ponta dos seios e, por fim, um refrescante, lá
embaixo, entre as pernas. Vestiram-lhe a roupa de baixo que
Magíster Illyrio lhe enviara e depois o vestido, de seda, com
um profundo tom de ameixa para realçar o violeta dos seus
olhos. A moça enfiou-lhe as sandálias douradas nos pés
enquanto a mulher mais velha lhe fixava a tiara na cabeça e
fazia deslizar pulseiras douradas incrustadas de ametistas em
seus pulsos. O último adorno foi o colar, um pesado cordão de
ouro torcido ornado com antigos glifos valirianos.
- Agora, sim, se parece com uma princesa - disse a moça, sem
fôlego, quando terminaram. Dany olhou de relance para sua
imagem no espelho prateado que Illyrio tão previdentemente
lhe fornecera. Uma princesa, pensou, mas lembrou-se do que
a moça dissera, de como Khal Drogo era tão rico que até seus
escravos usavam colares de ouro. Sentiu um súbito arrepio
percorrer os braços nus.
O irmão a esperava na frescura do átrio, sentado na margem
da fonte, arrastando a mão pela água. Pôs-se em pé quando
ela surgiu e observou-a com olhos críticos.
- Venha aqui - disse. - Vire-se. Sim. Ótimo. Você tem um ar...
- Real - disse Magíster Illyrio, entrando por uma arcada.
Movia-se com uma delicadeza surpreendente para um homem
tão corpulento. Sob vestimentas soltas de seda cor de fogo,
nuvens de gordura oscilavam enquanto ele caminhava.
Pedras preciosas cintilavam em todos os dedos, e seu criado
oleara-lhe a barba amarela bifurcada até que brilhasse como
ouro verdadeiro.
- Que o Senhor da Luz a banhe em bênçãos neste tão
afortunado dia, Princesa Daenerys - disse o magíster quando
lhe tomou a mão. Inclinou a cabeça, mostrando um fino
relance de dentes amarelos e tortos através do dourado da
barba. - Ela é uma visão, Vossa Graça, uma visão - exclamou,
dirigindo-se a Viserys. - Drogo ficará arrebatado.
- É magra demais - disse Viserys. Seus cabelos, do mesmo tom
louro-prateado dos dela, tinham sido puxados para trás e bem
atados com uma presilha de osso de dragão. Era um visual
severo que dava ênfase às linhas duras e magras de seu rosto.
Pousou a mão no punho da espada que Illyrio lhe emprestara
e disse: - Tem certeza de que Khal Drogo gosta das suas
mulheres assim tão novas?
- Ela já teve o seu sangue. Tem idade suficiente para o khal -
respondeu Illyrio, e já não era a primeira vez que dizia aquilo.
- Olhe para ela. Aqueles cabelos louro-prateados, aqueles
olhos púrpuros... ela é do sangue da antiga Valíria, sem
dúvida, sem dúvida... e bem-nascida, filha do antigo rei, irmã
do novo, não é possível que não arrebate nosso Drogo -
quando Illyrio largou sua mão, Daenerys percebeu que estava
tremendo.
- Suponho que sim - disse o irmão em tom duvidoso. - Os
selvagens têm gostos estranhos. Rapazes, cavalos, ovelhas...
- É melhor não sugerir isso a Khal Drogo - disse Illyrio.
A ira flamejou nos olhos lilás de Viserys.
- Toma-me por tolo?
O magíster fez uma ligeira reverencia.
- Tomo-o por um rei. Aos reis falta a cautela dos homens
vulgares. Minhas desculpas se o ofendi - virou-se e bateu
palmas para chamar os carregadores.
As ruas de Pentos estavam escuras como breu quando saíram
na liteira elaboradamente esculpida de Illyrio. Dois criados
iam à frente para alumiar o caminho, transportando
ornamentadas lanternas a óleo com vidraças de um vidro
azul-claro, e uma dúzia de homens fortes conduziam a liteira
aos ombros. O espaço lá dentro, por trás das cortinas, era
quente e apertado. Dany conseguia sentir o fedor da carne
pálida de Illyrio sob seus pesados perfumes.
O irmão, esparramado em almofadas a seu lado, nada notava.
Sua mente estava longe, do outro lado do mar estreito.
- Não necessitaremos de todo o seu khalasar - disse Viserys.
Os dedos brincavam no punho da lâmina emprestada, embora
Dany soubesse que ele nunca usara uma espada a sério. - Dez
mil serão suficientes, posso varrer os Sete Reinos com dez mil
guerreiros dothrakis. O domínio se erguerá em nome do seu
rei de direito. Tyrell, Redwyne, Darry, Greyjoy não sentem
mais amor pelo Usurpador do que eu. Os homens de Dome
ardem pela possibilidade de vingar Elia e os seus filhos. E as
pessoas simples estarão conosco. Elas choram pelo seu rei -
olhou ansioso para Illyrio. - Choram, não é verdade?
- São o vosso povo, e o amam bastante - disse amavelmente
Magíster Illyrio. - Em povoados por todo o território, os
homens fazem brindes secretos à vossa saúde, enquanto as
mulheres cosem estandartes do dragão e os escondem até o
dia do vosso regresso do outro lado das águas - encolheu os
maciços ombros. - Ou pelo menos é o que me dizem meus
agentes.
Dany não tinha agentes, nenhuma maneira de saber o que
alguém estaria fazendo ou pensando do outro lado do mar
estreito, mas desconfiava das palavras doces de Illyrio do
mesmo modo que desconfiava de tudo o que dizia respeito a
ele. Mas o irmão acenava com ardor.
- Matarei eu próprio o Usurpador - prometeu, ele que nunca
matara ninguém -, tal como ele matou meu irmão Rhaegar. E
também Lannister, o Regicida, pelo que fez ao meu pai.
- Isso será muito adequado - disse Magíster Illyrio. Dany viu
a minúscula sugestão de sorriso que brincava nos lábios cheios
do homem, mas o irmão não reparou em nada. Acenando, ele
afastou uma cortina e perdeu o olhar na noite, e Dany soube
que estava lutando de novo a Batalha do Tridente.
A mansão de nove torres de Khal Drogo erguia-se junto às
águas da baía, com hera de tons claros cobrindo seus grandes
muros de tijolo. Tinha sido oferecida ao khal pelos magísteres
de Pentos, Illyrio lhes disse. As Cidades Livres eram sempre
generosas com os senhores dos cavalos.
- Não é que temamos esses bárbaros - explicava Illyrio com
um sorriso. - O Senhor da Luz poderia defender nossas
muralhas contra um milhão de dothrakis, ou pelo menos é
isso que prometem os sacerdotes vermelhos... Mas para que
correr riscos quando a amizade deles sai tão barata?
A liteira em que seguiam foi parada ao portão e as cortinas,
puxadas rudemente para trás por um dos guardas da casa.
Possuía a pele acobreada e os olhos escuros e amendoados de
um doth-raki, mas tinha o rosto livre de pelos e usava o
capacete guarnecido de pontas agudas dos Imaculados.
Avaliou-os friamente. Magíster Illyrio rosnou-lhe qualquer
coisa no rude idioma dothraki; o guarda respondeu-lhe no
mesmo tom e lhes deu passagem com um gesto através dos
portões.
Dany reparou que a mão do irmão estava cerrada com força
no punho de sua espada emprestada. Parecia quase tão
assustado como ela se sentia.
- Eunuco insolente - murmurou Viserys enquanto a liteira
subia aos balanços até a mansão. As palavras de Magíster
Illyrio eram mel.
- Esta noite estarão muitos homens importantes no banquete.
Homens assim têm inimigos. O khal deve proteger seus
convidados, vós acima de todos, Vossa Graça. Não há dúvidas
de que o Usurpador pagaria bem pela vossa cabeça.
- Ah, sim - disse sombriamente Viserys. - Ele tentou, Illyrio,
asseguro-lhe. Seus traidores contratados nos seguem para
todo o lado. Sou o último dragão, e ele não dormirá
descansado enquanto eu viver.
A liteira desacelerou e parou. As cortinas foram puxadas e um
escravo ofereceu a mão para ajudar Daenerys a sair. Seu
colar, reparou ela, era de bronze comum. O irmão a seguiu,
com uma das mãos ainda cerrada com força no punho da
espada. Foram precisos dois homens fortes para pôr Magíster
Illyrio de pé.
Dentro da mansão, o ar estava pesado com o cheiro de
especiarias, noz-de-fogo, limão-doce e canela. Foram levados
através do átrio, onde um mosaico de vidro colorido retratava
a Destruição de Valíria. Óleo ardia em lanternas negras de
ferro dispostas ao longo das paredes. Sob uma arcada
composta por folhas de pedra interligadas, um eunuco cantou
a chegada:
- Viserys da Casa Targaryen, o Terceiro de seu Nome - gritou
numa voz doce e aguda -, Rei dos Ândalos, dos Roinares e dos
Primeiros Homens, Rei dos Sete Reinos e Protetor do
Território. Sua irmã, Daenerys, Filha da Tormenta, Princesa
de Pedra do Dragão. Seu honorável anfitrião, Illyrio Mopatis,
Magíster da Cidade Livre de Pentos.
Passaram pelo eunuco e entraram num pátio orlado de pilares
cobertos de hera clara. O luar pintava as folhas em tons de
osso e prata enquanto os convidados vagueavam por entre
elas. Muitos eram senhores dos cavalos dothrakis, grandes
homens de pele vermelho-acastanhada, com os bigodes
pendentes presos por anéis de metal e os cabelos negros
oleados, trançados e atados a campainhas. Mas por entre eles
moviam-se sicários e mercenários de Pentos, Myr e Tyrosh,
um sacerdote vermelho ainda mais gordo que Illyrio, homens
peludos vindos do Porto de Ibben e senhores das Ilhas do
Verão com a pele negra como ébano. Daenerys olhou a todos
maravilhada... e compreendeu, com um súbito sobressalto de
medo, que era a única mulher ali presente.
Illyrio sussurrou-lhes:
- Aqueles três são os companheiros de sangue de Drogo, ali -
ele mostrou. - Junto ao pilar está Khal Moro com o filho
Rhogoro. O homem de barba verde é irmão do Arconte de
Tyrosh, e o homem que está atrás dele é Sor Jorah Mormont.
O último nome capturou a atenção de Daenerys.
- Um cavaleiro?
- Nem mais, nem menos - Illyrio sorriu sob a barba. - Ungido
com os sete óleos pelo próprio Alto Septão.
- Que faz ele aqui? - ela perguntou.
- O Usurpador quis vê-lo morto - disse-lhes Illyrio. - Uma
afrontazinha qualquer. Vendeu alguns caçadores furtivos a
um negociante de escravos de Tyrosh em vez de entregá-los à
Patrulha da Noite. Uma lei absurda. Um homem deve ser
autorizado a fazer o que bem entenda com seus bens.
- Quero falar com Sor Jorah antes do fim da noite - disse
Viserys.
Dany deu por si olhando com curiosidade o cavaleiro. Era um
homem velho, com mais de quarenta anos e perdendo cabelo,
mas mantinha-se forte e em forma. Em vez de sedas e
algodão, trajava lã e couro. Sua túnica era verde-escura,
bordada com a imagem de um urso negro em pé sobre duas
patas.
Ainda observava aquele estranho homem vindo da pátria que
nunca conhecera quando Ma-gíster Illyrio colocou a mão
úmida em seu ombro nu.
- Ali, doce princesa - sussurrou -, está o próprio khal.
Dany quis fugir e se esconder, mas o irmão a estava
observando, e ela sabia que se lhe desagradasse acordaria o
dragão. Ansiosa, virou-se e olhou o homem que Viserys
esperava que pedisse para desposá-la antes de a noite acabar.
A jovem escrava não se enganara muito, pensou. Khal Drogo
era uma cabeça mais alto do que o mais alto dos presentes na
sala, mas de certo modo leve de pés, tão gracioso como a
pantera que havia na coleção de Illyrio. Era mais novo do
que ela pensara, não tinha mais de trinta anos. A pele era da
cor de cobre polido, e o espesso bigode estava preso com anéis
de ouro e bronze.
- Devo ir fazer as minhas apresentações - disse Magíster
Illyrio. - Esperem aqui. Eu o trarei até vós.
O irmão tomou-lhe o braço quando Illyrio se dirigiu,
bamboleante, até o khal, e seus dedos apertaram-na com
tanta força que a machucaram.
- Vê a sua trança, querida irmã?
A trança de Drogo era negra como a meia-noite, pesada de
óleo perfumado e repleta de minúsculas campainhas que
tiniam suavemente quando ele se movia. Chegava-lhe bem
abaixo do cinto, até mesmo abaixo das nádegas; a ponta
roçava-lhe a parte de trás das coxas.
- Vê como é longa? - continuou Viserys. - Quando os
dothrakis são derrotados em combate, cortam as tranças em
desgraça para que o mundo saiba da sua vergonha. Khal
Drogo nunca perdeu um combate. É Aegon, o Senhor do
Dragão regressado, e você será a sua rainha.
Dany olhou Khal Drogo. Seu rosto era duro e cruel, os olhos
tão frios e escuros como ônix. O irmão às vezes a magoava,
quando acordava o dragão, mas não a assustava como aquele
homem.
- Não quero ser sua rainha - ouviu sua voz dizer num tom
fraco e agudo. - Por favor, por favor, Viserys, não quero.
Quero ir para casa.
- Para casa? - ele manteve a voz baixa, mas ela conseguia
ouvir a fúria na entoação. - Como havemos de ir para casa,
minha doce irmã? Eles roubaram nossa casa! - levou-a para as
sombras, para fora da vista dos convidados, com os dedos
enterrados em sua pele. - Como havemos de ir para casa? -
repetiu, referindo-se a Porto Real, à Pedra do Dragão e a todo
o território que tinham perdido.
Dany se referira apenas aos seus quartos na propriedade de
Illyrio, que certamente não seria uma casa verdadeira, mas
era tudo o que possuíam; no entanto, seu irmão não quis
ouvir assim, Ali não havia para ele uma casa. Mesmo a casa
grande com a porta vermelha não tinha sido uma casa para
ele. Seus dedos enterravam-se com força no braço dela,
exigindo uma resposta.
- Não sei... - Dany disse por fim, com a voz perdendo a
firmeza. Lágrimas jorraram-lhe dos olhos.
- Mas eu sei - disse ele com voz cortante, - Vamos para casa
com um exército, minha doce irmã. Com o exército de Khal
Drogo, eis como vamos para casa. E se para isso tiver de se
casar com ele e com ele dormir, é isto o que fará. - sorriu-lhe. -
Deixaria que todo o seu khalasar a fodesse se fosse preciso,
minha doce irmã, todos os quarenta mil homens e também os
seus cavalos, se isto fosse necessário para obter o meu
exército. Fique grata que seja só o Drogo. Com o tempo, pode
até aprender a gostar dele. Agora seque os olhos. Illyrio o está
trazendo para cá, e ele não vai vê-la chorar.
Dany virou-se e viu que era verdade. Magíster Illyrio, todo
sorrisos e reverências, escoltava Khal Drogo em direção ao
lugar onde se encontravam. Afastou com as costas da mão as
lágrimas que não tinham saído dos seus olhos.
- Sorria - murmurou Viserys nervosamente, com a mão caindo
sobre o punho da espada. - E fique ereta. Deixe que ele veja
que você tem seios. Bem sabem os deuses que os tem bem
pequenos.
Daenerys sorriu e se aprumou.
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